quinta-feira, 9 de junho de 2011
EXPEDIÇÃO MONTE RORAIMA - RELATO COMPLETO
Amigos, finalmente aí vai o relato completo sobre a subida ao Roraima. O objetivo é servir como uma espécie de guia, que possa ajudar a quem queira experimentar esta grande e belíssima aventura. Um trekking clássico, cheio de belezas e com muito gosto de Amazônia. Boa leitura e... Viaje! (Clique nas fotos para ampliá-las).
Manaus - AM
É dezembro. Cheguei em Manaus à 01h15, vindo de Campinas. A diferença de fuso entre o Amazonas e SP faz com que eu atrase meu relógio em duas horas, me deixando com um pouco de folga para procurar a casa da Paula, minha amiga da capital amazonense. Com isso, ainda estou no sábado, dia 11.
No domingo fomos andar pela cidade. Manaus tem esse poder de encantar, onde é impossível não perceber a grande mistura de influências indígenas, nordestinas, africanas, de aventureiros, gringos, turistas. Tudo muito intenso, somado ao calor tropical tantas vezes já falado. O mercado no centro, às margens do Rio Negro, inspira cenas que temos a impressão de já ter visto em algum filme de aventura. É gente descendo e subindo de todo tipo de barco, carregando todo tipo de mercadoria, andando em todas as direções ao mesmo tempo. O rio, nesta época do ano com seu nível tão baixo, obriga todos a prolongarem a caminhada desde os barcos até a rua do mercado. Não sei porque, mas é incrível como acho tudo isto tão bonito...
Estou de volta a esta cidade depois de um ano, quando passamos por aqui para subir o Pico da Neblina. E a sensação é muito boa. Manaus também traz essa coisa da mistura de capital de estado com a maior floresta tropical do mundo. Embora pareçam antagônicas, estas duas faces se completam na terra dos Manauaras.
Sempre tive certa aversão a passeios formatados, a lugares muito visitados. Mas aceitei o convite de ir até o ponto do rio onde ocorre o encontro das águas do Negro e do Solimões. Vou deixar a análise técnica para outro dia e dizer que aquilo é simplesmente fantástico!
À noite, vejo o Teatro Amazonas incrivelmente enfeitado para o Natal, onde famílias inteiras assistem na praça, sentadas, a apresentação de corais. Se não me contassem de onde seria uma foto daquela cena, certamente sugeriria qualquer outra grande cidade do Brasil e dificilmente acertaria. Novamente esta cidade surpreende, tamanha a diversidade de situações.
Antes que eu me esqueça: para subir o Roraima, você não tem que ir necessariamente até Manaus. Obviamente tudo fica mais fácil indo direto até o estado de Roraima e iniciando sua trip em Boa Vista. Eu fiz esta opção porque tinha um crédito para viajar até a capital amazonense, além de ser uma grande oportunidade de revisitá-la.
No dia 13 – segunda-feira – acordei cedo e me dirigi para a Rodoviária. Meu ônibus que me levaria à Boa Vista estava marcado para sair às 10h00. A empresa é a Eucatur (0800-455050 – www.eucatur.com.br) e você deve comprar as passagens com antecedência. No meu caso, comprei somente a ida, porque decidi que voltaria os mais de 800 km que separam as duas capitais, de avião. Passagem de ônibus, só ida: R$ 100,00. Passagem aérea, só volta: R$ 273,00 (voando Gol).
A viagem de ônibus foi uma opção pensada: como eu tinha mais tempo na ida, fiz questão de apreciar as quase catorze horas de viagem num lugar que nunca estive antes. Todas as lendas que cercam a questão dos Waimiri-Atroari estavam em minha cabeça, mas confesso que pouco ou nada vi, além da confirmação de que o trânsito na BR-174, no trecho que corta a terra daquele povo, só é permitido até as 18h00, retornando no dia seguinte às 06h00. Tudo o mais que você ouvir ou ler na internet sobre este lugar (gringos, brasileiros, quem pode passar e quem não pode, etc...) é lenda.
Tirando esta questão, a estrada é a maior aventura. O asfalto, ruim em alguns trechos e inexistente em outros, faz com que a velocidade máxima do ônibus não ultrapasse os 80 km/h e as médias fiquem na casa dos 60 km/h. A paisagem encanta enquanto é possível observar as florestas preservadas. Somente a visão das inúmeras fazendas de gado ao longo da rodovia quebra um pouco este encanto. Na medida em que avançamos em direção a Roraima, nota-se claramente a mudança de bioma, com os buritizais aparecendo com maior freqüência e dando aquela cara de cerrado, com veredas muito bonitas. Ao entardecer, ainda dentro do ônibus, pude observar grupos de araras voando próximos aos buritis, buscando abrigo para a noite que se aproximava. E estas araras me lembraram que era a natureza o que eu queria ver nessa longa viagem terrestre.
Boa Vista - RR
Cheguei por volta das 00h00 do dia 14/12 em Boa Vista, a única capital de estado brasileiro no hemisfério Norte.
Dirigi-me para o Hotel Ideal (95 3224-6342), próximo ao centro da cidade. O hotel é simples, mas adequado. Por R$ 60,00 fiquei num quarto grande, com banheiro e ar condicionado. O preço inclui também o café da manhã.
No dia seguinte, fui explorar a cidade. Boa Vista é... digamos... diferente. Uma cidade com avenidas muito largas, bem planejadas, sem muitos semáforos. A construção da cidade, planejada no período entre 1944 e 1946 pelo engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson, lembra um leque, em alusão às ruas de Paris, na França.
Caminhar na orla Taumanan (“paz”, na língua Macuxi), com a belíssima vista do Rio Branco é se sentir verdadeiramente de férias. O grande deck construído pelo governo estadual em 2004, comporta várias pequenas lojas de artesanato de um lado e bares e botecos de outro. Tudo muito organizado, limpo, com jardinagem impecável e uma sensação muito boa que o lugar oferece. À noite, os bares promovem pequenas apresentações de música ao vivo no lugar.
Mas antes de anoitecer resolvi continuar a caminhada pela cidade. Conheci igrejas, o centro de turismo – que está em construção – lojas de artesanato e a vários outros pontos do centro, quase todos históricos.
Aproveitei a tarde para tirar minha carteira internacional de vacinação. Como eu não havia providenciado ainda isto, tive que fazê-lo em Boa Vista. E precisei tomar nova vacina contra a febre amarela: a que eu havia tomado em 2007, embora dentro da validade (10 anos), não trazia o número do lote da vacina, item este obrigatório para a confecção da “carteirinha amarela” da ANVISA. Lembrando: de acordo com os tratados internacionais, o Brasil é considerado área endêmica do mosquito transmissor da doença e, portanto, somos obrigados a tomar a vacina para visitar determinados países. A lista destes países você encontra aqui.
A ANVISA em Boa Vista fica no Aeroporto Internacional Atlas Brasil Catanhede. O telefone do órgão federal é (95) 3623-9282. Não arrisque ir para a Venezuela sem a carteirinha, por mais que você canse de ouvir coisas do tipo “não precisa”, “é bobagem, ninguém pede isto”, etc... É obrigatório e ponto final. Depois que você estiver lá e for abordado pelas autoridades venezuelanas e descobrir que terá que voltar ao Brasil somente por causa desta “bobagem”, não vai adiantar, é tarde.
Santa Elena de Uairén – Venezuela
Acordei cedo na terça, dia 15/12. Este é o dia de ir até Santa Elena, cidade base para a subida ao Roraima. Há duas formas baratas de você ir para lá: de ônibus, pela Viação Expresso Caribe, que sai de Boa Vista e a opção que eu considero como a mais atraente: os taxis de lotação que saem da Rodoviária Internacional José Amador de Oliveira. Preço: R$ 30,00 por pessoa até Sta Elena ou R$ 25,00 até Pacaraima, última cidade brasileira, na fronteira dos dois países. Saí de Boa Vista às 09h00 no meu taxi-lotação.
No caminho, a paisagem é bastante simples, com nada muito especial. São 220 km da rodovia BR 174 margeada por inúmeros pés de caju, muitos deles produzindo na época em que eu fui. No campo, acompanhando o traçado da rodovia, podemos perceber a linha que faz a transmissão de energia elétrica que o Brasil compra da Venezuela, para abastecer o estado de Roraima. Esta linha foi construída entre os anos 80 e 90 e até hoje gera polêmica, devido à atual situação de desabastecimento na Venezuela e às políticas de energia do Presidente Chavez.
À medida que nos aproximamos de Pacaraima, notamos as primeiras formações rochosas. Destaco a Serra do Tabaco e, claro, Raposa Serra do Sol. Todas estas áreas são de propriedade indígena e toda aquela questão envolvendo os fazendeiros produtores de arroz, parece mesmo ter chegado ao fim: não há nenhuma evidência do conflito que tomou conta daquele lugar anos antes.
O calor é onipresente. Embora não tenha mencionado mais nada sobre isto desde Manaus, não há folga. O curioso é que o regime de chuvas no estado de Roraima e na região da Gran Sabana, na Venezuela, obedece a ciclos diferentes daqueles vistos em Manaus. A proximidade com o Caribe e as altas montanhas do lugar influenciam fortemente no clima, tornando-o muito instável.
O motorista do meu taxi-lotação, Sr. Eronildo, me mostra algo curioso: a quantidade de carros totalmente queimados ao longo da rodovia. O preço irrisório da gasolina venezuelana (R$ 0,40 o litro para brasileiros, na fronteira) estimula o contrabando para o Brasil, onde carros adaptados recebem tanques maiores e nem sempre nas melhores condições de segurança. E pior: levando um produto tão perigoso. Os acidentes são sempre muito sérios.
Chegamos à fronteira bi-nacional às 11h50. Os outros passageiros do taxi ficaram em Pacaraima e somente eu sigo para a Venezuela. Primeira parada no posto da Polícia Federal, para carimbar o passaporte com a saída do Brasil. Aqui outra dica: por mais chato que possa parecer isto e por mais que te digam novamente “Não precisa”, lembre-se da paranóia dos militares venezuelanos. É melhor estar com tudo em dia. E não custa nada.
Após passar pelo marco da chamada “Fronteira seca” entre os dois países, você verá uma cena curiosa: a fila de carros brasileiros esperando para abastecer no primeiro posto de combustível da Venezuela e o único permitido para esse fim (brasileiros). Antigamente, me contaram, a cidade vivia cheia de “turistas” que iam pra lá somente para buscar gasolina e isto foi proibido. Hoje, com a regulamentação da entrada de carros brasileiros, há o esquema de rodízio, obedecendo o critério do final das placas dos carros, como acontece na cidade de São Paulo por exemplo.
Avançamos e nova parada na fronteira, agora para carimbar o passaporte com a entrada na Venezuela.
A entrada no país vizinho não traz grandes surpresas: a cidade de Santa Elena é simples, muito parecida com nossas pequenas cidades, tirando o fato das barreiras do exército pelo caminho.
Cheguei ao Hotel Michele (telefone 58 289 416 1257) e logo fui acomodando minhas coisas. O quarto é simples, com banheiro individual e ventilador. O preço, irrisório. Como o Real está forte em relação ao Bolívar (moeda venezuelana, relação de 4 bolívares para comprar 1 real), você encontrará muita coisa barata. Meu quarto custou 50 bolívares por dia, o que dá aproximadamente R$ 12,50.
A agência que eu contratei (Kamadac – telefone 58 289 9951-408 site www.kamadac.de) fica na mesma rua do Hotel Michele, o que facilitou a confirmação da minha chegada junto à empresa. Localizei um dos proprietários da Kamadac, Raulins Gonzalez e combinei com ele o dia seguinte: às 08h00 eu deveria estar ali, no QG da operadora para nossa partida.
Estava com fome e aproveitei para andar pela cidade e experimentar um pouco da cultura local. Música, carros, comida, lojas... tudo faz você se sentir num lugar tipicamente latino. Engraçado foi andar mais de duas quadras para achar um comércio que tivesse cerveja gelada.
À noite, nova confirmação da força do Real: uma ligação para o Brasil custa 2 bolívares por minuto, o que dá R$ 0,50.
No jantar fui ao Alfredo´s, também muito perto do hotel. Pude conhecer a fama deste restaurante, que é comentado inclusive no lado brasileiro como referência na cidade.
Primeiro dia – Paraitepui ao Rio Tek
Levantei cedo no dia seguinte, já com toda a bagagem dividida, entre o que iria levar para o Roraima e o que ficaria na cidade. O Hotel Michele oferece este serviço (guarda de bagagem), com um pequeno quarto bem trancado e com porta de aço.
Ao sair, uma surpresa: o Raulins me avisou que o voo dos alemães que comporiam nosso grupo, havia tido um problema na Europa e não chegaria a tempo de partirmos. Com isso, Raulins sugeriu que eu subisse com uma outra operadora de um amigo seu, a Mystic Tours (telefone 58 289 416 0558 site www.mystictours.com.ve). Fui para o local – ali perto mesmo – e encontrei o grupo se aprontando. Fizemos um “briefing” e saímos de Sta Elena às 11h00, com destino a Paraitepui.
À medida que nos afastamos da cidade, o cenário começa a revelar toda a beleza da Gran Sabana: muitas veredas, com paisagens lindíssimas para todo lado que se olha... incrível a beleza deste lugar.
Chegamos em Paraitepui por volta das 13h00. Este lugar é uma comunidade indígena de etnia Taurepang (leia-se Taurepã), com várias casinhas de pau a pique e cobertura de piaçava, com pessoas simples e muitas crianças brincando em meio aos jipes dos visitantes.
Arrumamos nossas coisas, comemos um lanche rápido e iniciamos nossa trilha às 14h00.
Aqui, uma nota: sempre que planejamos uma trilha costumamos fazê-la, geralmente, o mais cedo possível, por vários motivos. Confesso que não fiquei muito confortável em sair às duas da tarde para começar uma trilha que, mesmo não sendo longa neste primeiro dia, foi cansativa e com chuva em vários pontos. Creio que, se começássemos bem cedo, poderíamos aproveitar melhor o Rio Tek lá na primeira parada.
Este primeiro dia é considerado o mais leve dos 3 dias de ida, e nem pode ser chamado de subida, porque neste dia sairemos de aproximadamente 1100 metros de altitude (Paraitepui) para alcançar o Rio Tek, este com 1050 metros de altitude. São 4 horas de caminhada de trilha boa, bem marcada, principalmente pelo grande fluxo de turistas que a ocupam o dia todo, em grupos distintos.
Durante a trilha, a visão dos paredões dos tepuis Kukenan e Roraima é algo impressionante. À medida que andamos e vamos nos aproximando, a sensação de imponência que as grandes formações nos causam é indescritível. O tempo fecha duas vezes e uma chuva fina começa a cair. Às 17h40 deste primeiro dia de caminhada, chegamos ao acampamento no Rio Tek.
O acampamento é um local já preparado para receber o visitante. Tem um mínimo de estrutura, onde os guias preparam nossa comida, enquanto os ajudantes montam as barracas. Jantamos e o cansaço veio logo. Hora de dormir.
Segundo dia – Rio Tek até a base do tepui
Acordamos às 06h00, já com o barulho de quem acordou mais cedo. O incômodo da noite anterior me fez decidir sair para um banho no Rio Tek. Embora nunca tenha sido grande fã de água gelada, neste caso, além de precisar muito de um banho, a temperatura estava suportável.
O tempo continua muito fechado. Nossos guias estão preparando o café. No cardápio, suco de “mora” e arepa (um típico alimento da Venezuela e da Colômbia, feito à base de farinha de milho, que substitui o pão no café da manhã ) com linguiça calabresa, além de frutas.
O acampamento do Rio Tek está bem cheio. Além do nosso grupo, pude distinguir ao menos outros 4 grupos diferentes, com aproximadamente umas 10 pessoas cada. Percebi que um dos grupos era formado por japoneses, um de suecos e um outro que em sua maioria haviam brasileiros.
Aqui uma pausa para falar do nosso grupo: ele era formado por 14 pessoas, fora os “porteadores” (carregadores), guia e cozinheiro. Entre os 14 integrantes, 3 brasileiros, 1 australiano e 10 venezuelanos, sendo (destes) 4 amigos e os outros 6 de uma mesma família, de Caracas. Aliás, pude perceber que os venezuelanos curtem muito a ideia de conhecer o Parque, subir o Roraima e valorizar o que eles possuem. Nem sempre são montanhistas, mas pessoas comuns, sem muita experiência em trekking. Mas que gostam do contato com a natureza. Um pouco diferente do que vemos no Brasil.
Café tomado, arrumamos nossas coisas e partimos às 08h30. Este segundo dia é conhecido por ser mais puxado, com 6 horas de caminhada. Estamos saindo do Rio Tek a 1150 m de altitude e só pararemos na base do Roraima, nos 1870 m.
A travessia do Rio Tek não apresenta problemas. Apenas a observação de que os guias nos orientam a fazê-la com meias, pois esta é a única forma de não escorregar nas inúmeras (e enormes) pedras no fundo do rio. Até tentei usar uma papete (teimosia), mas na primeira pedra um pouco maior que pisei já notei que aquilo não ia dar certo.
Obstáculo atravessado, seguimos caminhando. Novamente a paisagem surpreende. A cada pequena colina ultrapassada, uma visão deslumbrante da Gran Sabana.
Com aproximadamente 1 hora de caminhada, nova travessia de rio. A diferença é que agora o Rio Kukenan mostra sua força com vontade. Suas águas abastecidas pelas chuvas no alto da montanha enchem a calha, tornando o quadro meio assustador. Há uma corda para a travessia. Confesso que, com a mochila e seus 12 kg, correnteza e pedras lisas, faltou muito pouco para eu cair. Mas o pior estava por vir: o Kukenan possui dois braços e este era só primeiro e mais fácil. A visão do segundo trecho foi de gelar: um grupo que seguia na nossa frente atravessava com muita dificuldade. Fiquei estático. Meus amigos que me conhecem há mais tempo sabem que água nunca foi muito o meu reino e aquela ali estava rápida demais. O Roberto, um dos carregadores que nos acompanhava, atravessou nossas mochilas, uma a uma. Isso fez uma diferença muito grande. O primeiro grupo terminou de atravessar. Criei coragem e fui o segundo do nosso grupo. Concluí que ficar apenas olhando não iria adiantar nada. Água pela cintura, correnteza muito forte... e ok! A travessia de quase 50 metros foi legal. Até mais do que eu imaginava...
Passado o susto, bagagem ajeitada e pronto para a retomada da caminhada. Neste momento, inclusive, vale lembrar que a margem do Rio Kukenan geralmente fica infestada de mosquitos. O fato de você se sentar por alguns minutos para recolocar o calçado e ajeitar a mochila poderá ser penoso, se não estiver com um excelente repelente.
Seguimos caminhada. A partir deste momento o sol aparece com força total, castigando a todos. Observo um dos suecos do outro grupo: ele está usando bermudas e com as pernas “bicolores”, brancas e vermelhas. O protetor solar nesta região é outro acessório imprescindível.
Converso bastante com meus novos amigos (brasileiros) Steven e Adriano. Por alguns momentos sigo também conversando com o Shane, o amigo australiano e colega de barraca. O cara é quieto, mas demonstra ser gente boa. Aliás, como a maioria das pessoas que geralmente encontramos neste tipo de atividade.
A caminhada vai ficando mais pesada. O sol continua implacável e as subidas mais constantes. Nesta hora não há outro jeito: é ir devagar, no seu ritmo.
Quase 6 horas depois de sair do Rio Tek, finalmente chegamos ao acampamento base. As pernas já caminhavam sozinhas. Os ombros doendo muito. Muito calor, mas muita satisfação por vencer mais um dia de caminhada.
Acampamento montado, corri para o banho, muito gelado por sinal. Acampar ao pé do Roraima é outra experiência incrível. Parece que este lugar está mesmo fadado a surpreender o visitante. O paredão de pedra logo ao lado de nosso acampamento parece intransponível. Difícil acreditar que subiremos por ele amanhã.
Comemos um lanche rápido e tomamos chá quente, enquanto aguardamos o jantar, que veio logo em seguida. O frio já começa a nos avisar sobre o que encontraremos no topo, no dia seguinte.
São 18h00. Está escuro, frio e já jantamos. Não há mais nada a fazer, além de dormir cedo para acordar disposto no terceiro e último dia de subida ao Roraima.
Terceiro dia – A chegada ao topo
O dia amanheceu incrivelmente limpo. Antes mesmo das 06h00 o sol já dava suas caras no paredão do Kukenan, logo à nossa frente.
Nossos ajudantes, cozinheiro e guia preparam o café, enquanto nos ocupamos com fotos e na arrumação da bagagem. Saímos às 08h00. Nossa meta hoje é subir os quase 1000 metros faltantes para o topo da montanha.
Já nos primeiros 200 metros de caminhada pude perceber tudo aquilo que falam do terceiro dia deste trekking: subidas muito íngremes, com muita pedra, nos fazendo imaginar o que ainda está por vir. São horas subindo, pé por pé, passo por passo, em meio a fendas no barranco, cavidades em meio às raízes das árvores ou entre pedras. A diferença do dia anterior é que neste terceiro dia a maior parte do caminho é com sombra – em função da mata no pé da montanha – lembrando em muito a subida ao Neblina. Escalaminhada é a expressão mais correta para este dia.
No caminho há alguns pontos para completar os reservatórios de água. Manter o hipoclorito num local de fácil acesso na mochila é importante. A água que despenca das inúmeras cascatas vindas do topo da montanha nem sempre é limpa, em função da atividade constante lá em cima. O calor é intenso e estas sempre são boas chances de refrescar e descansar.
Mas a subida continua dura. Há um ponto conhecido como Paso de Las Lagrimas, em que passamos por baixo de uma cachoeira que despenca do paredão. Não deve ser algo muito atraente de se fazer sob uma tempestade. Com pouca chuva, você sentirá somente um chuvisco, como foi nosso caso.
Superado mais este trecho – extremamente íngreme por sinal – passamos ao lado da formação que os indígenas batizaram de Macunaíma.
Quinze minutos mais de subida, de pedras e... o topo!!!
Chegamos ao topo do Roraima, 4 horas depois de sair do acampamento base.
A sensação é única, mesmo para quem já tem o montanhismo como algo não novo. Subir o Roraima é totalmente diferente de tudo o que já vi. Sua beleza, da planície ao cume, supera todas as expectativas.
Após nos recompormos da subida e já com todo o grupo junto, seguimos por 30 minutos de caminhada até nosso acampamento, de nome Sucre. Aliás, os acampamentos no topo são conhecidos por “hotéis” cada qual com seu nome. Há quem diga que este ou aquele é melhor ou pior, mas isso é o menos importante para quem está num lugar tão extraordinário. E depois você poderá andar por vários pontos e ver outros hotéis e seus atrativos.
Chegamos ao Sucre cansados e com fome. Enquanto arrumávamos nossas coisas, Roberto preparou uma sopa quente e Joaquim começou a montar as barracas ( ou “carpas” como é dito por eles, em espanhol).
Noite fria novamente, mas clara e com direito à lua e céu aberto.
Jantamos e dormimos. O dia seguinte de exploração do topo nos aguardava.
Quarto dia – Descobrindo o topo do Roraima
Acordamos cedo novamente. São 06h00 e um a um todos vão se levantando. Muito próximo ao Sucre há uma fenda em meio às pedras, com água muita limpa e corrente. Difícil imaginar como há nascentes lá em cima, a quase 3.000 metros de altitude. E há sim. Muita água, a maior parte em grandes piscinas formadas pela água da chuva frequente e em função da alta umidade.
Todos de café tomado (novas arepas, calabresas, ovos e café), nossa expectativa para este dia é sair cedo e voltar somente à tarde. Por isso a necessidade de se alimentar bem.
O primeiro ponto que visitamos foi a formação conhecida como “Maverick” (ou “El Carro”). Tem esse nome em função da semelhança com o carro, porém em proporções bem maiores. Este é o ponto mais alto do Roraima, com seus 2.723 metros de altitude.
Depois de curtir a vista lá de cima (ou o que foi possível, em função da densa neblina), continuamos nossa caminhada, passando pelo Vale dos Cristais, Jardim Escondido, Vale da Esperança, La Catedral, Água Linda, Cascata dos Cristais, La Ventana e Jacuzzi. São muitos os lugares a serem visitados no topo e estes são somente alguns que podemos conhecer num único dia. O ideal é ter mais tempo para explorar as inúmeras atrações que o Roraima oferece.
Retornamos e o ritual se repete nestas últimas horas de permanência no topo: muito cansaço, banho e jantar. E muita satisfação por estar num lugar tão mágico.
É difícil pensar que amanhã já é dia de voltar, de descer deste lugar que tão facilmente nos remete às mais incríveis histórias de aventura que já vimos e ouvimos. Mas o gosto de mais esta conquista se completa também com a volta, quando temos muita coisa para contar, sobre tudo aquilo que foi visto e sentido em lugar tão especial.
Agradecimentos:
Aos “porteadores” Joaquim, Roberto, Vanessa e Yani. Ao guia José Alvarez. Aos colegas Roberto (Mystic) e Rawllins (Kamadac).
Abraços aos amigos:
Steven, Adriano, Ollantay Gonzales, Juan Carlos, Rusmary Briceno e Jesus Barrios, além da família Rostro.
NOTAS IMPORTANTES:
- Esta trip é feita em seis dias: os quatro dias narrados acima e mais dois para descer (um acampamento a menos que a subida). Reserve 10 dias para se garantir contra imprevistos.
- Faça contato e reserve todos os serviços com antecedência. Não deixe nada para a última hora. Dê especial atenção às questões da documentação, principalmente passaporte e carteira internacional de vacinação.
- Como explicado no texto, você pode iniciar sua viagem por Boa Vista. Manaus é somente uma excelente opção em terras amazônicas, que pode ser visitada na volta também. Recomendo.
- Fique muito atento nas ocasiões de deslocamentos pelas estradas na Venezuela. Há barreiras militares em vários pontos e os soldados venezuelanos não são exatamente o que podemos chamar de amigáveis. Mantenha o passaporte sempre em mãos, nestes trechos. E NUNCA ouse quebrar alguma regra de lá. Lembre-se: você não está no seu país. E eles estão de olho nos turistas.
- Quebre esta ideia de que o Roraima é brasileiro. Somente cerca de 10% da montanha pertencem ao Brasil. Outra pequena parte é da Guyana (a Venezuela não reconhece isso até hoje) e todo o restante é deles (Venezuela). Aliás, não é possível subir pelo lado brasileiro, por isso toda esta logística no país vizinho.
- Um ponto muito importante: seja um trekker de verdade, ou seja, pense em todas as questões ligadas ao lugar, respeitando as diferenças culturais, econômicas, sociais e ambientais. Trate a todos como gostaria de ser tratado – mas sem esperar o famoso “calor humano” típico do brasileiro. Traga seu lixo de volta e não deixe NADA pelo caminho. Observação: na ida, nós encontramos algumas latas vazias de cerveja jogadas pelo mato, próximo à trilha. Como falta de educação não tem nacionalidade, fica difícil imaginar quem foi o estúpido.
- Os serviços e produtos aqui indicados são apenas sugestões. Estas são baseadas na minha experiência, não tendo nenhuma conotação comercial.
Veja aqui o video desta aventura.
EQUIPOS QUE VOCÊ PRECISARÁ PARA ESTA TRIP:
- Saco de dormir para zero grau centígrado
- Isolante térmico
- Mochila cargueira
- Squeeze (ou cantil) para água
- Anorak impermeável ou capa de chuva
- Boné com proteção para o pescoço (tipo Expedicionário)
- Lanterna de cabeça com pilhas sobressalentes
- Sacos plásticos para proteger as roupas da chuva
- Bastão para caminhada (recomendável)
- Hipoclorito para água
- Protetor solar
- Repelente para insetos (recomendo o Exposis Extreme, do Laboratório Osler)
- Chinelos ou sandálias ou papete, para as horas de descanso
- Roupas apropriadas para frio
- Humildade e respeito a todos, em especial aos indígenas
Importante: a barraca será fornecida pela operadora que você contratará. O saco de dormir e o isolante térmico poderão ser alugados em Santa Elena.
Estava esquecendo: custo da operadora = 2.000 Bolívares, ou R$ 500,00 pelo serviço de guia + alimentação.
Boa trilha!
segunda-feira, 6 de junho de 2011
5 de junho - Dia Mundial do Meio Ambiente
Fonte da foto: escolinhanet.blogspot.com
Olá!
Há tanta coisa pra se escrever nesta data, não?
Mas hoje vou me limitar a dois textos: um que recebi da minha amiga Patricia Hawrysz (que chegou até ela através dos meus amigos da Cia de Rafting) e outro que encontrei no blog viver-sustentável.
Primeiro o que recebi da Patricia. Antes, um comentário: se tudo que fazemos é para imaginar que não somos donos de nada e que temos a obrigação de deixar este planeta em boas condições para as futuras gerações, estamos falando de crianças. E é pensando nelas que este texto foi escrito:
Como estimular o consumo consciente?
Fonte : Equipe Personare.
Mesmo ouvindo falar tanto em sustentabilidade, muitas vezes enfrentamos dificuldades em mudar nossos hábitos e adotar atitudes mais conscientes em relação ao meio ambiente. Podemos, no entanto, incorporar práticas simples ao nosso cotidiano. Como servir de exemplo para as crianças que convivem conosco, para que cresçam considerando a sustentabilidade como parte de seu dia-a-dia?
Reunimos dez pequenas atitudes para incentivar o consumo consciente em nossos pequenos. Para complementar nossas sugestões, convidamos uma visitante do Personare para opinar também e compartilhar outras dicas de como influenciar positivamente nossas crianças. Confiram:
■Leve as crianças à feira e ao mercado e deixe-as "explorar" as frutas, verduras e legumes. Inventem receitas juntos, usando os alimentos que escolheram.
■Sempre que possível, dê preferência a roupas e brinquedos ecológicos para as crianças. Lembre que seus filhos e sobrinhos serão os consumidores do futuro.
■Combine troca-troca de roupas com amigos que possuem filhos em idades próximas. O que não serve mais para vocês pode ser muito útil para outros. Estimule a criança, ao ganhar um brinquedo de presente, a escolher um que não brinque mais para doar a quem precisa.
■Façam passeios a bosques, florestas, praias. Deixe os pequenos andarem descalços, tocarem as árvores, respirarem o ar puro. Compartilhem as sensações.
■No momento do banho, feche a torneira enquanto ensaboa a criança. Faça o mesmo quando estiver escovando os dentes e incentive-a a imitar você.
■Lembre que mesmo em stand-by os aparelhos consomem energia. Ensine os pequenos a desligarem a TV ou o DVD quando não forem mais assistir. Dê o exemplo: não deixe vários eletrônicos ligados ao mesmo tempo.
■Mantenha em seu carro ou bolsa uma embalagem para colocar o lixo. Ensine a criança a colocar o lixo nos coletores de reciclagem, separando orgânicos, metais, plásticos e papéis.
■Sempre que puder, ao sair de casa, lembre de levar sua própria sacola, dessas de pano. Assim você evita usar sacolas plásticas.
■Pense duas vezes antes de imprimir alguma coisa. Ensine as crianças a usarem os dois lados da folha ao desenhar. Também vale fazer bloquinhos para reaproveitar o verso de papéis usados.
■Combine com outros pais um rodízio para buscar as crianças na escola. Nos finais de semana, faça caminhadas ou passeios de bicicleta com os pequenos.
Dicas de Sarah Nery, jornalista, mãe de Caio Francisco
■Seja uma mãe consciente. Naturalmente, seu filho repetirá o seu exemplo.
■Dê prioridade. Com o ritmo louco moderno, a criação dos filhos vai ficando atrás do trabalho, do dinheiro e demais necessidades inventadas. Para criarmos seres humanos melhores para o mundo, devemos tomar um tempo para criá-los de maneira mais "personalizada" e menos "padronizada".
■Seja criativa. Há alternativas baratas e sustentáveis para fabricação de brinquedos, de objetos de decoração, de alimentos saudáveis... É mais simples do que se imagina e muito prazeroso.
■Não seja consumista. Isso tem a ver com os itens anteriores, mas vale reforçar. Além de correr o risco de mimar a criança com muitos bens materiais, ela raramente desenvolverá uma consciência crítica se tem como exemplo o consumo fácil e, muitas vezes, supérfluo.
Muito legal, não?
O segundo texto também é muito legal. Fala da "Teoria das janelas partidas".
Conhece? Veja abaixo:
Teoria das janelas partidas
Texto baseado no livro “Broken Windows”, de James Q. Wilson e George L. Kelling.
Em 1969, na Universidade de Stanford (EUA), o Prof. Phillip Zimbardo realizou uma experiência de psicologia social. Deixou duas viaturas abandonadas na via pública, duas viaturas idênticas, da mesma marca, modelo e até cor. Uma deixou em Bronx, na altura uma zona pobre e conflituosa de Nova York e a outra em Palo Alto, uma zona rica e tranquila da Califórnia.
Duas viaturas idênticas abandonadas, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipa de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada sítio.
Resultou que a viatura abandonada em Bronx começou a ser vandalizada em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, a viatura abandonada em Palo Alto manteve-se intacta.
É comum atribuir à pobreza as causas de delito.
Atribuição em que coincidem as posições ideológicas mais conservadoras, (da direita e esquerda). Contudo, a experiência em questão não terminou aí, quando a viatura abandonada em Bronx já estava desfeita e a de Palo Alto estava há uma semana impecável, os investigadores partiram um vidro do automóvel de Palo Alto.
O resultado foi que se desencadeou o mesmo processo que o de Bronx, e o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre.
Por que que o vidro partido na viatura abandonada num bairro supostamente seguro, é capaz de disparar todo um processo delituoso?
Não se trata de pobreza. Evidentemente é algo que tem que ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro partido numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação que vai quebrar os códigos de convivência, como de ausência de lei, de normas, de regras, como que vale tudo. Cada novo ataque que a viatura sofre reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores, se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Em experiências posteriores (James Q. Wilson e George Kelling), desenvolveram a ‘Teoria das Janelas Partidas’, a mesma que de um ponto de vista criminalístico, conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujidade, a desordem e o maltrato são maiores.
Se se parte um vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão partidos todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se gerará o delito.
Se se cometem ‘pequenas faltas’ (estacionar-se em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou passar-se um semáforo vermelho) e as mesmas não são sancionadas, então começam as faltas maiores e logo delitos cada vez mais graves. Se se permitem atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando estas pessoas forem adultas.
Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são progressivamente abandonados pela maioria das pessoas (que deixa de sair das suas casas por temor aos gangs), estes mesmos espaços abandonados pelas pessoas são progressivamente ocupados pelos delinquentes.
A Teoria das Janelas Partidas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metro de Nova York, o qual se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater as pequenas transgressões: graffitis deteriorando o lugar, sujeira das estações, ebriedade entre o público, evasões ao pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metro um lugar seguro.
Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Partidas e na experiência do metro, impulsionou uma política de ‘Tolerância Zero’.
A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à Lei e às normas de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.
A expressão ‘Tolerância Zero’ soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinquente, nem da prepotência da polícia, de fato, a respeito dos abusos de autoridade deve também aplicar-se a tolerância zero.
Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito.
Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.
Até o próximo post!
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